A inovação e as grandes empresas

Por Luciano Vicenzi

Em palestra ministrada em evento empresarial realizado na cidade Foz do Iguaçu neste maio de 2011, o sociólogo italiano Domênico de Masi proferiu a seguinte afirmativa: inovação e grandes empresas são quase inconciliáveis. De acordo com o sociólogo, a formalização dos sistemas, as regras da burocracia interna e os modelos estabelecidos para realizar suas atividades não deixam espaço para as pessoas inovarem.

Bom, há exemplos de grandes empresas criativas, mas realmente não são muitos. Em geral, grandes empresas trabalham com ideias criativas, mas na maioria das vezes, estas não foram geradas dentro delas. Utilizam-se de redes de cocriação distribuída, tais como marketing colaborativo, criação envolvendo clientes, redes de pesquisadores online, associações com instituições de pesquisa, entre outras. No Brasil particularmente, somos flexíveis como fruto da cultura do jeitinho e nossos executivos até têm sido valorizados por essa característica, mas não somos necessariamente inovadores. Ao contrário, o desempenho brasileiro na contribuição de inovações mundiais não tem sido muito consistente.

Na análise dos bons exemplos, a capacidade de inovar de uma empresa parece estar relacionada diretamente com uma
cultura organizacional aberta. Empresas inovadoras buscam implementar a cultura da inovação em seu DNA, tanto interna com externamente. De Masi define inovação como a conciliação entre fantasia e concretude. Fantasia para criar, concretude
para realizar. Segundo o sociólogo, a união dos dois fatores é rara, mais ainda nas grandes organizações.

Vamos analisar três variáveis neste sentido: lideranças; estrutura organizacional; e cultura organizacional.

 

Lideranças

Embora as organizações desejem ser inovadoras e façam muitos esforços em suas práticas, sistemas de reconhecimento e comunicação interna, tal atitude não faz parte dos comportamentos da maioria das pessoas nas grandes empresas. A maior parte
prefere seguir a guiar, operar a criar. Por isso, tanto se fala da escassez de líderes no mundo organizacional, público ou privado.

Existem muitas listas de atributos ou qualidades dos líderes. As modernas abordagens já destacam o processo dinâmico e contextual da liderança composto a partir do triângulo formado pelo líder, a equipe e o ambiente. Qualquer mudança em um desses três elementos necessariamente tem impacto nos outros dois, requerendo novas estratégias, ajustes e abordagens. Não há líder para todas as situações.

Entretanto, há uma característica fundamental da liderança que a torna complexa e rara: a questão da responsabilidade. Um líder deve assumir a responsabilidade pelos resultados que obtém, sejam bons ou maus. A maioria das pessoas gosta de assumir os bons
resultados, mas prefere apresentar justificativas quando as coisas não saem como o esperado. O papel de vítima alivia a sensação de incompetência ou impotência, como se justificativas tivessem o poder de mudar os fatos. Na prática, somos os resultados das nossas escolhas.

Nas grandes organizações, a figura do empreendedor (interno) que assume a responsabilidade efetiva e com o nível de autonomia necessária para conciliar fantasia e concretude é rara. Na maioria das vezes, o perfil empreendedor não se enquadra aos padrões limitantes da liberdade, criatividade e iniciativa, naturais das grandes empresas. Neste ambiente, a busca dos meios necessários para transformar um ideal em produtos ou serviços se perde nos jogos políticos e nas preocupações excessivas com controles em diferentes níveis hierárquicos.

Do ponto de vista das relações entre as pessoas, o empreendedorismo de líderes e equipes é uma competência necessária para criar e concretizar a inovação, seja no âmbito interno à empresa ou através de redes de colaboração interinstitucionais. No novo contexto, a política de Maquiavel de dividir para conquistar não se aplica, perdeu espaço e valor.

As grandes organizações precisam ter a coragem de desenvolver líderes mais empreendedores e com autoconfiança suficiente para orientar equipes mais integradas e participativas nas decisões, sem sentir-se ameaçado em seu poder. Hoje, o principal equívoco
de um líder é menosprezar a inteligência das pessoas que trabalham com ele.

 

Estrutura Organizacional

Como o próprio nome sugere, estrutura organizacional é a forma de organizar as atividades realizadas por uma empresa para executar suas operações, a construção do seu sistema de comunicação e informação e a definição da cadeia de comando e controle. Pode ser mais aberta e flexível ou formal e rígida.

Richard Hall (2004) destaca três funções para a estrutura organizacional: facilitar o alcance de objetivos e metas definidas; auxiliar na regulação da influência das pessoas na empresa; e definir como o poder será exercido, como as decisões serão tomadas e como as atividades serão realizadas. O organograma é uma tentativa de representar como esta estrutura está definida e na maioria das empresas segue o modelo militar, formal, centralizado, ultrapassado.

As pesquisas de Hall (2004) apontam a conexão entre o nível de formalização e a atitude do funcionário em relação à empresa e aos colegas. Quanto maior o nível de formalização, maior o grau de alienação do funcionário em relação ao trabalho e a convivência com os demais. A alienação em relação ao trabalho gera baixo comprometimento. A alienação em relação aos colegas leva a problemas de comunicação, dificuldades na fluidez dos processos, conflitos interpessoais improdutivos, disputas de poder.

Ainda segundo Hall (2004), os tipos de problemas acima são intensificados quando o modelo de gestão é centralizado e quando há imposição rigorosa de regras, nos quais as pessoas têm pouco espaço para participar das decisões. A centralização gera pessoas
passivas, reduz o comprometimento, aumenta a incidência de erros e transgressões de comportamento. Bill Jensen e Josh Klein denominam de “hacking” a prática de contornar regras para fazer para fazer as coisas acontecerem. É a reação dos funcionários
à ilusão do controle que ainda acomete muitos gestores.

Os recentes conflitos do mundo árabe são exemplos de que as pessoas não aceitam mais modelos impositivos de gestão. Cedo ou tarde os problemas eclodem. A imposição até pode gerar respostas mais rápidas no curto prazo em algumas situações, mas degeneram o senso de equipe e o comprometimento no médio prazo e levam ao individualismo, as lutas por poder e a evasão de talentos no longo prazo. O problema é que a noção de curto, médio e longo prazo tem se reduzido conforme avançam os sistemas de interação das redes sociais. O resultado são pessoas mais críticas e exigentes a cada dia que passa.

Modelos participativos de planejamento e gestão, com enfoque mais sistêmico do que setorial têm apresentado resultados consistentes quanto ao engajamento dos funcionários com as diretrizes estratégicas definidas, favorecendo a execução dos planos estratégicos. O engajamento pressupõe valorização. As pessoas não valorizam o que não compreendem. Tampouco se sentem valorizadas quando querem dar suas ideias e contribuições e não são ouvidas pelos gestores da organização.

 

Cultura Organizacional

A padronização é a forma usual de se ganhar eficiência e escala ao mesmo tempo. É uma maneira legítima de organizar as atividades e a convivência dos integrantes para regular o crescimento da empresa dentro de certos eixos. Pauta-se em normas e regras que visam defender um padrão mínimo de qualidade, de comportamento e, ao mesmo tempo, representar os valores de um grupo. Padrões são necessários em sistemas de produção das grandes empresas, mas quanto? Onde devem existir com maior frequência? Sob uma política de educação ou punição?

As leis em geral, por exemplo, não visam à educação, mas a punição daqueles que transgridem os acordos coletivos de convivência. Quanto maior o nível de padronização de uma empresa, menor é o seu nível de inovação. Padrões remetem a um sistema social punitivo (disfarçado de preventivo) e não educacional. Geram o comportamento guiado pela preocupação em não errar, algo muito distante da dinâmica criativa.

Um obstáculo à inovação é quando a qualidade, medida por parâmetros ligados a número de acertos e falhas, torna-se instrumento de caça ao culpado. Na ocorrência de um problema, surge a pergunta: “quem foi?” Neste caso, a reação humana típica de uma sociedade comparativa é a defesa. E começam as justificativas e transferências de responsabilidades. Na cultura do medo não há espaço para a inovação.

Pior ainda é quando os líderes de áreas estabelecem novos padrões ou normativas para todos como resposta a erros localizados. Quando isso acontece, a organização se nivelou por baixo. E os gestores reclamam que as pessoas não são comprometidas. Mas quem se compromete com uma política baseada no erro? Quem se compromete com a falta de inteligência?

A predisposição para a cultura da inovação requer comprometimento, empolgação. A boa vontade depende da percepção de reciprocidade e de justiça na relação funcionário-empresa. O bem estar abre espaço mental para a criatividade. É preciso formular políticas de consequências tendo por princípio fundamental a educação e não a punição, o acerto e não o erro. Não se cria o senso de responsabilidade sem autonomia. Não se sustenta a autonomia sem educação. Esse é o trabalho de gestão da cultura
organizacional: educar.

A cultura da inovação é guiada pela educação em valores e materializada por políticas, diretrizes e sistemas que permeiam a organização como um todo, em todos os seus níveis, a fim de desenvolver um modelo mental proativo e mais autoconfiante. União em um momento de crise é desespero. Disposição contínua de encontrar soluções mais criativas e colaborativas para os desafios cotidianos da organização é trabalho de longo prazo.

Diferenciação, competência essencial, oceano azul, estratégia aberta, entre outras são exemplos de propostas sustentadas por organizações que veem sentido em desenvolver pessoas com um bom nível de confiança na própria capacidade de gerar as soluções, demandadas ou latentes, para clientes mais exigentes. A inovação é dinâmica. O padrão é estático.

 

O desafio das grandes organizações é preparar seus líderes, sua estrutura e cultura organizacional para responder a demanda por inovação gerada por uma sociedade de consumo mais consciente e impaciente. Se a chamada estratégia 2.0 se pauta na velocidade das mudanças provocadas pelas transformações tecnológicas, a próxima onda estratégica é baseada nas pessoas e nos avanços e soluções resultantes de sua capacidade de interação. Somente elas são capazes de responder aos desafios multifacetados do presente-futuro das organizações, a partir do elemento central da inovação: uma mentalidade mais aberta e compartilhada para a gestão.

 

HALL, R. H. Organizações: estruturas, processos e resultados. 8ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.

2 Responses to A inovação e as grandes empresas

  1. Anderson Mayer disse:

    Excelente texto Luciano.

    Digno de resenha em disciplina de Formação de Líderes ou de Planejamento Estratégico e Organizacinal do Curso Acadêmico de Administração.

    Porém, vejo cada vez mais empresas correndo para a padronização, engessando seus processos e perdendo, tanto oportunidades, quanto talentos de seu quadro funcional.
    Serão poucas as organizações que terão coragem de se lançar ao modelo de inovação citado em seu texto. E das que le lançarem, quantas delas realmente estão preparadas ou se prepararam para isso?

    Assim surgirão as oportunidades para os profissionais que têm a inovação como “combustível” para as suas carreiras, desenvovimento e aplicação de suas lideranças, podendo assim chegar verdadeiramente a auto realização.

    Abraço.

    Anderson Mayer
    Acadêmico em Administração

    • Luciano Vicenzi disse:

      Suas observações são muito pertinentes Anderson. De fato, há um grande desafio para as organizações se prepararem para o crescimento exponencial das mudanças que serão trazidas pela tecnologia nas próximas décadas. Tudo indica que teremos uma era de turbulência, pois a capacidade de mudança coletiva de uma empresa é sempre mais lenta do que a capacidade de mudança individual dos clientes e que se propagam rapidamente pelas redes sociais. É mais difícil encontrar inovadores porque estes são caracterizados por iniciativa e autonomia com responsabilidade e essas características não se desenvolvem em ambientes corporativos constituídos por fórmulas ortodoxas de gestão. Grande abraço!

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